Em ação para impedir festa, promotora da Comarca alegou que o Dia do Município não está no calendário de eventos de Bananal

 

Além da deturpada alegação, promotora expôs a obtusa visão de que o município deve gerar empregos abrindo mão de suas vitrines turísticas 

Por Ricardo Nogueira

Na questionável ação da promotora da Comarca de Bananal, Ingrid Rodrigues Ataíde, para convencer a recém chegada Juíza a acatar seu pedido liminar visando impedir a realização das atrações programadas no último final de semana em Bananal na celebração dos 190 anos de emancipação político-administrativa, houve a surpreendente alegação de que o Dia do Município não integra o calendário de eventos da cidade. 

Uma colocação absolutamente distorcida e  artifício inadmissível para uma servidora de carreira que representa o Ministério Público do Estado de São Paulo há quase uma década na Comarca que, além de Bananal, engloba também Arapeí e São José do Barreiro.

Ao que parece, no afã de demonstrar falta de dotação para a festividade, a promotora se valeu de um "tecnicismo jurídico" ao pincelar a mera nomenclatura de cartazes de divulgação "Festa do Aniversário de Bananal" para camuflar o que na realidade é o tradicional Dia do Município. 

Há cerca de 40 anos o 10 de julho é um feriado cívico em Bananal, que ganha cunho turístico por ser dia seguinte ao feriado estadual de 09 de julho (Revolução Constitucionalista). Neste ano, os dois dias caíram no sábado e domingo, mas nos demais costumam representar um feriado prolongado em período característico das férias escolares no meio do ano. 

É preciso fazer um esforço mental para não acreditar que a colocação em processo contra o município seja tão capciosa quanto desrespeitosa com uma data cara aos bananalenses. Fazer contorcionismo com a nomenclatura para tratá-la como uma data comum, fora do calendário do município, é um acinte.

É mais factível - e honesto - alegar que a data sempre teve um cunho mais cívico, com desfiles de alunos da rede escolar, fanfarras e bandas. Por vezes também, com atrações vinculadas a festas julinas, com quermesses, quadrilhas, etc.

Mas isso fica longe de dar veracidade e cabimento a uma afirmação, na inicial de uma ação civil pública, de que a data não tem eventos e representatividade turística para o município. 

Sobretudo quando a tentativa de desmerecer a data ignora ainda a auspiciosa marca dos 190 anos da emancipação de Bananal. O motivo real que levou a atual gestão municipal optar por um upgrade festivo visando irrigar os setores mais afetados pela pandemia.

O intuito de diminuir a relevância da data foi apenas um dos ingredientes de uma ação inconsequente e teimosa.

Sobretudo por se valer do discutível "elemento surpresa" de ser protocolada em juízo na véspera de uma festa que vinha sendo divulgada há meses. O intuito, sem sombra de dúvida, foi dar pouco tempo para a municipalidade reverter a situação e atrapalhar a organização.

Teimosa porque, 24 horas antes, a mesma promotora, apesar de uma decisão favorável em 1º grau, viu ruir sua pretensão contra uma festividade em São José do Barreiro em decisão de 2º grau. Com pequenas alterações referentes a dotações orçamentárias e apontamentos do TCE, os fundamentos foram semelhantes à impetrada contra a festa de Bananal. Na essência, o mérito a ser apreciado era o mesmo.

Naquela ação, pelo menos, a homenagem ao Padroeiro dos barreirenses não foi diminuída, mas, em suma, foi replicado o entendimento da promotora Ingrid de que município com carências na saúde, na educação, na conservação de vias públicas e na geração de empregos, deve se abster de promover festas com artistas "de magnitude" com recursos públicos.

Cabe destacar que tal entendimento, apesar de subjetivo, seria compreensível e até conveniente se proposto pela promotora logo quando os shows começaram a ser divulgados. Fazer isso na véspera da festa é uma inconsequência. 

Demonstra falta de discernimento na compreensão do conjunto, do todo da realidade que envolve a organização de uma festividade de grande porte, incluindo os gastos que a promotoria diz pretender evitar de forma cautelar. Muitos deles já utilizados antes do início da festa. Sem falar na assinatura de contratos cuja violação deixaria os cofres públicos à mercê de multas e eventuais processos judiciais.

A inconsequência abarca também o planejamento dos demais segmentos envolvidos e postos de trabalho diretos e indiretos gerados por um evento com atrações que garantem grande público.

Longe do Olimpo ministerial que tem garantido o seu holerite no final do mês, com ou sem pandemia, empreendedores da rede hoteleira, o comércio, artesãos, artistas locais e mão-de-obra contratada para a festa se programaram e investiram tempo e dinheiro na expectativa do evento.

O tempo utilizado pela promotoria para colher informações sobre os gastos requeridos junto às prefeituras nem serve de justificativa para o timing da ação, pois está claro que foram requeridas apenas para compor e fundamentar um entendimento pré-concebido. Entendimento subjetivo, salientamos novamente.

Persiste na Comarca a crendice de que o MP tem prerrogativa de fazer as vezes dos Poderes Municipais constituídos, como se fosse um poder interventor da gestão. Uma espécie de supervisor administrativo dos Prefeitos com o condão prévio de intervir em sua função executiva.

A avaliação sobre acerto ou erro do gestor nessas situações cabe ao crivo dos munícipes, à Câmara Municipal, à imprensa, ao Tribunal de Contas. 

O valor gasto se justifica? A festa deveria ser realizada no atual estágio da pandemia? O montante deveria ser investido em outro setor? Questionamentos válidos, submetidos à opinião pública. Se o gestor errou na escolha, sofrerá as devidas consequências e o balanço final de sua gestão será sentenciado democraticamente nas urnas.

Havendo crime ou dano irreparável ao erário, que atue o MP. Cada qual a seu tempo e dentro de sua função pública.

Tanto a artimanha do timing da propositura da ação na véspera da festividade em São José do Barreiro, quanto a pretensão interventora da promotoria na gestão da cidade, não passaram despercebidas na avaliação do Tribunal de 2ª instância. Mereceu, inclusive, um constrangedor "causa espécie" do desembargador presidente.

O êxito temporário da decisão proferida no Fórum de Bananal foi suspenso em decisão emitida, em São Paulo, por ninguém menos do que o Presidente daquele Tribunal Superior, Ricardo Anafe.

Apesar do presidente do TJ deixar claro o entendimento em 2º grau, a promotora Ingrid insistiu em fazer o mesmo com a festa de Bananal, gerando apreensão e incertezas horas antes do início programado para o evento.

Com a teimosia, repetiu-se a inconsequência. Imaginemos o presidente do TJ ao deparar, 24h depois, com nova contenda em outro município da mesma Comarca. Que cena interessante.

Na decisão que cassou a liminar, o Presidente do TJ considerou que cancelar as festas configurava "lesão à ordem pública, assim entendida como ordem administrativa geral, equivalente à execução dos serviços públicos e o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas".

Não fossem reformadas as decisões temporárias, não é difícil prever o estrago em eventos futuros. Quem, em sã consciência, iria procurar a rede hoteleira ou querer visitar uma cidade onde grandes eventos passariam a ter o estigma de serem cancelados de última hora?

Dentre os pontos elencados pela promotora Ingrid como impeditivos para uma pequena cidade promover eventos de alguma magnitude está a falta de empregos.  

A prosperar visão tão obtusa, cabe a indagação de como imaginar a geração de emprego numa cidade com vocação turística se as festas, que são vitrines para atrair turistas e divulgar in loco os demais atrativos dessas pequenas localidades, ficarem limitadas a folguedos de alcance local.

Para finalizar, antecipamos um ponto a ser explicitado em outro artigo brevemente. 

Bananal e São José do Barreiro estão entre as 70 estâncias turísticas do estado de São Paulo. Para manter esse status, que proporcionou incontáveis obras estruturais para ambos nas últimas décadas, existe um ranking cuja pontuação leva em conta, dentre outros quesitos, a ocupação da rede hoteleira no balanço de 3 anos. 

Devido à pandemia, o ranking foi suspenso nos anos de 2020 e 2021. Permanece uma incógnita se 2022 será levado em conta. Se for, manter esses indicadores estagnados pode trazer surpresas desagradáveis para o segmento turístico das duas cidades.

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