Escolas precisam se preparar para situações de violência, dizem especialistas.


Treze de 16 docentes relataram casos de agressão na escola de Suzano e não houve registro da situação crítica. Para especialistas, professores e funcionários devem ser instruídos. 

Por Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil  Brasília

Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, as escolas brasileiras não estão preparadas para lidar com questões de violência e conflitos. Apesar da legislação brasileira atribuir aos centros de ensino a responsabilidade de prevenção e combate à violência e à promoção da cultura de paz, os professores e funcionários, de maneira geral, não são instruídos de forma adequada para episódios de ameaça e risco.
Tragédias como a que ocorreu na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP),  na qual morreram 10 pessoas e 11 ficaram feridas, chamam atenção para a vulnerabilidade dos colégios para lidar com situações como essas, tanto na hora da prevenção quanto para lidar com a comunidade escolar após o ocorrido.
"Essas questões de convivência, de relacionamento, de sentimentos e emoções são tratadas ainda nas escolas brasileiras de maneira empírica”, disse a a diretora do Instituto Inspirare, Anna Penido. O Inspirare é uma organização que defende práticas e políticas públicas inovadoras em educação.
Em seguida, Anna Penido acrescentou que: “Cada escola, a partir de ter mais ou menos sensibilidade para isso, de ter mais ou menos professores preocupados com isso, de mais ou menos pessoas disponíveis para resolver essas questões, vão se organizando para dar conta. Não tem algo estruturado para dar conta desse trabalho".

Responsabilidade

A responsabilidade das escolas com essas questões está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece o mínimo de conteúdo a ser ministrado aos estudantes desde o ensino infantil ao médio, prevê também o desenvolvimento de habilidades sócio-emocionais. O que significa na prática que os alunos devem aprender a lidar, entre outras coisas, com as próprias emoções. A BNCC ainda está em fase de implementação.
"A escola é o primeiro lugar onde as crianças convivem fora do ambiente familiar e sem a família. Tem o lado da convivência, de respeitar o outro, de dividir, compartilhar com o outro. Isso é inato da natureza da escola", disse Anna Penido. 
A professora da faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Telma Vinha ressaltou que colocar as medidas previstas em lei e na BNCC em prática "implica investir em formação de base e continuada de professores nessa área". Telma é também coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), que atua junto a escolas de Campinas.
Telma afirmou que para tratar de questões emocionais é necessário, além do investimento na própria escola e em formação, a colaboração entre a comunidade e também entre outras áreas, como a saúde. "Não é levar a responsabilidade para a escola, mas ela lida com convivência o tempo inteiro. Tem que oferecer um melhor olhar para isso."
O Gepem disponibilizou o Protocolo de intervenção após casos de violência no esforço de ajudar escolas a melhorar a qualidade de convivência. 
O protocolo, segundo Telma, pode ajudar a Escola Estadual Raul Brasil. "Esse protocolo descreve passos de ações que a escola pode ter para incentivar os estudantes e funcionários a se abrirem para que se fale sobre o problema e sobre os sentimentos. Tem várias dinâmicas, sugestões de vídeo e leitura."

Treze de 16 docentes relataram casos de agressão na escola de Suzano



Na escola estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP), 13 de 16 professores afirmaram que houve na escola casos de algum tipo de agressão, física ou verbal, de acordo com os últimos dados da Prova Brasil, aplicada em 2017. Também 13 de 16 docentes disseram que alunos agrediram outros estudantes naquele ano.

Apesar dessas informações, a escola não registrou nenhuma situação crítica. No questionário que respondeu, a direção da escola, naquele ano, considerou pouca a indisciplina dos estudantes e afirmou que a instituição contava com projetos voltados para a temática da violência e bullying no ambiente escolar.

Professores e direção afirmaram ainda que estudantes não frequentaram a escola com armas de fogo ou com armas brancas. 

A escola apresentou um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos finais do ensino fundamental 5,8, ultrapassando a meta para a etapa, que era 5,7 e ficando acima da média do estado de São Paulo, 4,9. O indicador é medido pelo fluxo escolar dos estudantes, ou seja, se eles foram aprovados ou não, e pelo desempenho deles na Prova Brasil, que avalia os alunos em português e matemática.

Os dados foram compilados pela organização Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com o intuito de verificar se seria possível, a partir dos dados coletados em avaliações nacionais prever a tragédia que ocorreu na última quarta-feira (13).

A conclusão do diretor do Iede, Ernesto Martins Faria, é que os dados não sinalizaram que um atentado como esse poderia ocorrer na escola. "Esse caso é muito excepcional, muito fora da curva", diz. 

Em relação às agressões, a escola estadual Professor Raul Brasil reflete a situação enfrentada por muitos docentes no Brasil. "Agressão verbal, mesmo que a gente não deseje, acaba sendo recorrente", afirma. Segundo ele, o fato de o questionário da Prova Brasil reunir em uma mesma questão agressão física e verbal dificulta a análise mais cuidadosa do cenário da escola. 

Dados ajudam no monitoramento

Mesmo que não possam prever tragédias como essa, os dados coletados nacionalmente ou a nível estadual e municipal podem ajudar governos e escolas a planejarem ações. 
Nacionalmente, os dados da Prova Brasil mostram um cenário preocupante: 10.984 diretores, o que equivale a 15,41% dos entrevistados, relataram que alunos frequentaram a escola em 2017 com armas brancas, como facas e canivetes. Outros 1.685 disseram que estudantes foram para a escola com armas de fogo. O número equivale a 2,36% dos entrevistados. 
Além disso, as agressões são muitas. Pouco mais da metade, 50,64% dos diretores (36.056) disseram que houve agressão verbal ou física a alunos, professores ou funcionários e 71,56%, ou 50.988 diretores, afirmaram que houve agressão verbal ou física de alunos a colegas.
"Às vezes, quando pensamos em monitoramento, pensamos só em português e matemática. Mas a gente tem que pensar na lógica de monitoramento para averiguar como é relação professor-aluno, a relação entre alunos, se existe violência. É importante o diretor da escola e a secretaria de educação terem esse acompanhamento", defende Faria. 
Os questionários da Prova Brasil foram respondidos em 2017 por 71,3 mil diretores e 352,5 mil professores em todo o país. 

Postagem Anterior Próxima Postagem